quarta-feira, 27 de junho de 2012


Oi.



Eu não sei o número da tua caixa postal, nem o nome da tua rua. Mas essa carta vai chegar, é isso que eu sei. Basta eu dizer: Indireta, vai! Toma teu rumo. E cada palavra aqui vai te chegar aos ouvidos.

Como música ruim, como briga, como soluço, como canção pra dormir? Não sei, mas vai.

Eu pensei sobre o que te falar especificamente, ou do 1º assunto a tratar, mas vi que meus sentimentos não têm hierarquia, e seria difícil separar por nível de importância.
O clichezão de que te odeio e te amo ao mesmo tempo. De que te quero e não posso te querer. De que sonho uma família estilo: cama, mesa e banho e ao mesmo tempo em comprar um bilhete aéreo pra Amsterdã, abandonando assim, os poucos semestres que me separam do canudo, na universidade.
Eu sei que não vou conseguir resumir nessa carta o que haveria de essencial em te dizer. Mas se ela é pra você, é porque você, é essencial.
Mesmo com tudo errado e todos os pontos negativos que essa vontade carrega, mesmo ciente que isso vai ser uma vontade Eterna, mesmo com todos os mesmos, eu sei do teu lugar no meu coração, o qual vai além do teu lugar no campo das minhas idéias.
Talvez teu português aloprado não te deixe entender (mais uma vez...) o que meu vocabulário pseudo-culto quer dizer. Mas não se preocupe, não é só falta do exercício da leitura, mas uma baita confusão da minha parte, Tom, ficaria encabulado ao ler.
Bom, e pra não ficar só na introdução, eu vou te falar que não coloquei meu endereço porque também não quero resposta. Quero só que você leia e saiba, que apesar do que disseram, do que viram, do que acham, do que sabem, eu amo você.
E amo mesmo, tanto que esses dias eu estava no ônibus parado na fila, usei o tempo pra enumerar todos os seus defeitos físicos e psicológicos e quando a raiva e desprezo estavam no fim da formação dentro de mim, eu ri. Apenas ri, porque eu amo até seus defeitos, não tem como não acabar em riso. Lembrando do teu pé bizarro, das poses que fazias na frente do espelho enquanto eu te espiava e da tua decepção com o comprimento da minha saia.
Seria pedir demais, eu sei. Não, não pra você um “remember”. Pro tempo voltar. O tempo não volta e essa é a lição mais dura que se há pra aprender na vida.

Taí, era isso que eu queria te dizer.

Kamila Valente



quinta-feira, 17 de março de 2011

Eu pensei tanto na gente por esses dias...

Pensei em tudo que sua boca disse assim sem querer e em tudo que seu olhar consentiu.
Mas não escrevo pra dizer o que expressa seu rosto.
Escrevo pra falar desse corpo inteiro que é teu jeito de amar.
Escrevo porque preciso dizer, a quem quer que me leia, o quanto você tem um jeito puro de dar amor.
Entenda por pureza, aquilo que nunca foi contaminado. Aliás, entenda por pureza, um amor que nunca amou.

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

O mundo meu e teu


Antes:
Que todos acreditem no meu faz-de-conta.
Depois:
Que todos que participem sejam bons atores.
Que o impossível faça parte do nosso cotidiano.
Que a fome e a dor sejam lendas que os livros contem, de um passado distante.
Que o amor seja a moeda corrente.
E que o papel-moeda seja o papel-higiênico.
Que as crianças sejam professores. E os políticos, bons alunos.
Que os livros venham de sobremesa, após a música, que será o nosso almoço e jantar.
Que os pés andem descalçados.
Que as roupas sejam leves e não apertem.
Que os bons sejam todos.
Que Deus seja meu vizinho.
Que meus amigos sejam necessariamente meus irmãos.
Que os sentimentos bons sejam cores.
Que tenhamos asas como meio de transporte
Que falemos todos a mesma língua e todas as línguas.
Que a passagem pra lá seja barata.
Que o amor que tiver seja só meu.
E eu só dele.
Que seja eterno, sem essa história de "enquanto dure".
Que não haja despedida, nem desencontro.
Acima de tudo, que você goste do lugar que criei pra nós dois.


Kamila Valente



(Texto do antigo blog, é que deu uma saudadinha...)

Tudo, menos eu.

Eu queria tanto entender e ser o que te agrada.
Eu seguiria à risca o caminho que leva até tua vontade.
Pintaria esse fim de mundo com as cores que você gosta.
Se me pedisse, te odiaria, só pra fazer paz de novo.
Não te acordaria, quando o relógio te chamasse, só pra continuar a ouvir o respirar macio que tem teu sono.
Eu seria tanto ou nada, conforme teu humor.
Apareceria discreta pra não causar vergonha, e ousaria pra não causar esquecimento.
Guardaria teu cheiro, gosto, imagem, pele e voz, pra fazer valer todos os sentidos.
Abriria mão do meu jeito nada nobre de ser.
Negociaria tempo com o tempo, pra que ele nunca me privasse de você.
Desataria os nós da linha da vida, pra que ela se alongasse.
Inventaria uma teoria, pra tentar explicar a solidão que é, quando você não é.
Se eu pudesse, de verdade, me desfaria em todos esses pedaços, pra concretizar o sonho que tivesses naquela tarde de domingo, ocioso.
Queria eu ser tanto.
Queria eu ser inspiração, ser motivo, ser dona e não inquilina dos teus olhos.
Queria eu, te fazer feliz.
Queria eu, não ser eu, pra enfim a gente poder ser.

Kamila Valente.

De corpo e alma.


Ele me mostrou a identidade dele e disse:
-Olha minha filha, vê se não é de chorar?
Eu não respondi, por educação claro, mais pensei horrores do tiozão... Achei que fosse mais um daqueles querendo ser eternamente jovem.
Aí ele me contou que esses dias acordou, se olhou no espelho e chorou, por ver que estava velho ( eu continuei xingando ele em pensamento...) e só ter olhado pra ele e pra vida dele, tarde demais...(juro, parei de pensar merda na hora.)
Na identidade ele tinha 18 e um rosto bonito... E eu a partir daí me comovi profundamente, não por ele ter deixado a beleza passar junto com os anos, mas por ver que o fim é sempre o mesmo.
Que os anos, além de enrugarem sonhos e feições, passam a toda velocidade...sem dó.
E um enorme medo me envolveu. Dessa vez, um novo medo. Acolhido pela turma dos que já existiam em mim, me encurralou num corredor de portas fechadas. Então me vi assim, sem saída diante da fúria do tempo.
E a primeira vez que tive de medo de envelhecer foi quando ouvi as palavras daquele homem, que era jovem por dentro, mas tinha sido incapacitado de exercitar sua juventude pela casca da velhice. E como alguém que sofreu um feitiço, o moço dentro do corpo cansado explodia em saudades.
E o medo me calou por todo o depoimento fim-de-vida que tinha aquele homem.
Ele que acreditava ter apenas alguns poucos metros de caminho para andar, me deixava pedida entre os muitos quilômetros de atalho que me esperam nessa estrada louca que é meu destino.
Me deixava sem palavras, sem ações, diante daquela tristeza que fazia todo sentido.
O que fazer quando o corpo briga com a alma?
Que solução tem pra isso?
E eu apesar de todas as minhas manias idosas, sinto que vai chegar o dia em que botarei a alma pra lutar contra meu corpo velho.
E quando a vida gritar de dentro pra fora?
Como poderei olhar pro espelho sem chorar?
Eu que brigo tanto com sonhos. Espantando eles da minha mente como se espanta mosquitos que voam ao redor da cabeça, senti uma vontade(inha....) de resgatar antigos sonhos.
Alguns poucos que por livre e espontânea pressão tinha abandonado.
Senti vontade de dizer pra todo mundo que eu amo, Eu te amo.
E pra quem não amo, que os quero amar também.
Senti vontade de ligar pra antigos amigos, pra ver a quantas anda a vida...
Senti vontade de pedir perdão.
De mandar carta, não e-mail.
Senti vontade de escrever pra deixar documentado, que certa vez um homem me mostrou que não importa que o fim seja feliz, mas sim pleno. Em seu horror ou delícia.
Que minha alma jovem só terá vez, infelizmente, enquanto meu corpo for relativamente jovem.
E a morte dela tem dia marcado.
O dia do choro no espelho.
Kamila V.

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Romantizando.


E não importava nada.
Nem que eu jogasse meus cabelos de um lado para outro, pusesse aquele perfume que me rendia alguns elogios ou cuidasse com o português.
Ele não enxergava nada além do mundo cru e real que abrigava aquela sala.

Tudo que eu via era paixão.
Saltava paixão pelos olhos, pela boca vermelha.
Saía paixão da piada que contava quando encostou a cabeça no travesseiro.
Saía paixão do sopro que secava minha mão suada.
Saía paixão com sotaque.
No jeito de segurar o talher, na sugestão despretensiosa do filme, na maneira como se despediu com sono, naquela mensagem que me chegou , um tanto assim noturna e com cheiro de bebedeira, na forma como discutiu comigo sobre sua fé, ou a ausência dela.
Isso sem falar de quando respirava, quando piscava e engolia a saliva. Era tudo paixão.
Paixão que refletia apenas no meu olho míope, claro...

A minha mente romantizava até o jeito dele sobreviver.

Nem quando eu te perguntei o preço de ficar pra sempre, e você me deu alguns muitos dígitos, eu consegui enxergar outra coisa além dessa paixão que lacerou meu coração desde que você acenou aquele copo vazio na mão, desde que preparou aquela bebida pra mim.
E não me pergunte o que eu fico pensando...

Não queira me descobrir, vai que você se encontra em mim?
Vai que não se sabe mais onde começa você, onde termino eu?


Kamila V.

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Ele e Ela.


Ela sentia o suor pelas costas.
As gotas procuravam em cada investida, caminhos diferentes e denunciavam o nervosismo na camisa branca.
Ela estalava os dedos, balançava as pernas, mudava a posição, folheava cega uma revista antiga.
Enxergava a demora pendurada no ponteiro.
Toneladas sobre as horas.
Havia anos que ela sonhava, imaginava, supunha, como seria aquele momento.
Como seria ele? Como seria seu rosto? Será que ele lembraria das coisas que ela havia dito até ali? Dos pedidos, das exigências, dos desabafos, dos desafios, dos erros, dos acertos?
Ela só sabia que estava preparada. Perfeita e impecável, ao menos na aparência.
Na frente dela, a porta. Após a porta, o desconhecido.
Quando ela se abriu, uma estatura mediana de aparência comum demais, surge do interior da sala branca.
Até aí, abaixo da expectativa.
Ela segue no seu salto e na sua roupa cara atravessando a sala de espera até chegar em frente a ele.
Os dois olham-se nos olhos.
Ela descobrindo. Ele reconhecendo.
Já dentro da sala, sentam-se em silêncio, frente-a-frente.
Ela pede, ele pede, que fale. Os dois riem da coincidente frase e ele começa.
Conta da saudade, da espera, do sofrimento, das alegrias, enfim, só fala dela e do que ela faz o tempo todo.
Coisas que ela nem lembra mais. Coisas que ela prefere esconder. Muitas e muitas coisas.
E com as memórias boiando na tona, ela ri, chora, envergonha-se, orgulha-se.
O corpo esquece de suar, de tremer. Ele a acalma tanto...
A serenidade faz todo sentido ali perto dele.
E depois de tudo exposto, ela pede perdão pela milésima vez.
Promete mudar a si e ao mundo. Quebrar diferenças, tabus, preconceitos.
Ele só sorri. Diante daquele desespero infantil ele acalma com aquela transparência cristalina, que só tem que não tem nada a esconder. Só os donos da verdade.
E ela se esforça pra que ele acredite que dali pra frente será tudo diferente. Que aquele encontro mudou tudo nela, essencialmente.
Mas ele sabe que não. Ele com os ombros pesados e doridos, sabe que ao despedir-se ela será tão sórdida, tão igual a todos os outros.
Mas ele a ama.
E naquele momento só ela importa.
Não quer perdê-la dali. Não quer perdê-la assim purificada, redimida, arrependida.
Resta pra ele duas opções.
Deixá-la ir e sofrer de novo a dor, a saudade, a ausência.
O esquecimento a encontrará na porta da sala. E a levará nos braços mais uma vez.
Ou findar tudo ali, já que os pratos estão limpos.
Resta pra ela uma escolha.
Então ele a fulminou com os olhos. E ela caiu sobre os ombros da poltrona.
Sem mudar o mundo, sem acabar com preconceitos e diferenças.
Não foi solidária, não entrou pra nenhuma Ong.
Não deu esmola, não fez caridade, nem doou órgãos.
Mas quando ela intencionou, ainda que por minutos, ser alguém melhor, ele aproveitou para salvá-la dela mesma.
Pra nunca mais errar.

Kamila V.


(Postado em 14 de agosto de 2008, no meu antigo blog: kamilavalente.blogspot.com )