sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

De corpo e alma.


Ele me mostrou a identidade dele e disse:
-Olha minha filha, vê se não é de chorar?
Eu não respondi, por educação claro, mais pensei horrores do tiozão... Achei que fosse mais um daqueles querendo ser eternamente jovem.
Aí ele me contou que esses dias acordou, se olhou no espelho e chorou, por ver que estava velho ( eu continuei xingando ele em pensamento...) e só ter olhado pra ele e pra vida dele, tarde demais...(juro, parei de pensar merda na hora.)
Na identidade ele tinha 18 e um rosto bonito... E eu a partir daí me comovi profundamente, não por ele ter deixado a beleza passar junto com os anos, mas por ver que o fim é sempre o mesmo.
Que os anos, além de enrugarem sonhos e feições, passam a toda velocidade...sem dó.
E um enorme medo me envolveu. Dessa vez, um novo medo. Acolhido pela turma dos que já existiam em mim, me encurralou num corredor de portas fechadas. Então me vi assim, sem saída diante da fúria do tempo.
E a primeira vez que tive de medo de envelhecer foi quando ouvi as palavras daquele homem, que era jovem por dentro, mas tinha sido incapacitado de exercitar sua juventude pela casca da velhice. E como alguém que sofreu um feitiço, o moço dentro do corpo cansado explodia em saudades.
E o medo me calou por todo o depoimento fim-de-vida que tinha aquele homem.
Ele que acreditava ter apenas alguns poucos metros de caminho para andar, me deixava pedida entre os muitos quilômetros de atalho que me esperam nessa estrada louca que é meu destino.
Me deixava sem palavras, sem ações, diante daquela tristeza que fazia todo sentido.
O que fazer quando o corpo briga com a alma?
Que solução tem pra isso?
E eu apesar de todas as minhas manias idosas, sinto que vai chegar o dia em que botarei a alma pra lutar contra meu corpo velho.
E quando a vida gritar de dentro pra fora?
Como poderei olhar pro espelho sem chorar?
Eu que brigo tanto com sonhos. Espantando eles da minha mente como se espanta mosquitos que voam ao redor da cabeça, senti uma vontade(inha....) de resgatar antigos sonhos.
Alguns poucos que por livre e espontânea pressão tinha abandonado.
Senti vontade de dizer pra todo mundo que eu amo, Eu te amo.
E pra quem não amo, que os quero amar também.
Senti vontade de ligar pra antigos amigos, pra ver a quantas anda a vida...
Senti vontade de pedir perdão.
De mandar carta, não e-mail.
Senti vontade de escrever pra deixar documentado, que certa vez um homem me mostrou que não importa que o fim seja feliz, mas sim pleno. Em seu horror ou delícia.
Que minha alma jovem só terá vez, infelizmente, enquanto meu corpo for relativamente jovem.
E a morte dela tem dia marcado.
O dia do choro no espelho.
Kamila V.

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