quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Olhos de Capitú.



Ela acordou e pôs o pé no chão gelado.
Os chinelos não acordaram do lado da cama e as meias mais uma vez se perderam entre os edredons.
O jeito era ir até o tapete na ponta dos pés.
O tapete fica na frente dele e ela não quer se olhar.
Ela nunca gostou de espelhos, e quando menor, preferia os 7 anos de azar à deixar um inteiro.
Quando tormentava forte, ela usava a velha desculpa de que atraíam raios, só para cobrí-los com panos.
Evitava o quanto podia passar em frente.
Passava o lápis no olho e colocava os brincos com precisão, sem se enxergar.
Adaptou sua vida pra não precisar de um sequer.
Mas o que temia tanto? Que medo era esse que atrapalhava tanto, causava tanto e resultava em nada?
Fingia pra todos não ter respostas, ainda que as soubesse de cor.
Na ocasião das perguntas, o silêncio consentia, porque a idéia de olhar no olho assustava.
O fato de olhar pra realidade enquadrada que ela teria se tornado, a incomodava, pinicava a pele.
Então ela vivia de fugas, olhares baixos, mãos no rosto.
Sem se ver, sem tentar refletir ou aparecer, sem olhar nos próprios olhos.

Ela viveu a vida inteira assim, sem se saber.
Sem ver o quão maravilhosa mulher tinha crescido naquele corpo e o quanto aquele batom vermelho lhe caía bem.
Sem admirar aqueles que reduziam os de Capitu à insignificância...

Seguia ela, pagando pra não ver.

2 comentários:

  1. Porque suas palavras se organizam de forma que posso te ver. Diferente de sentir teu cheiro e lembrar-te. Posso ver seu sorriso a esconder, ver sua contagem até 10, não como uma lembrança, mas como uma cena nunca vivida. E isso é bom, logo você ainda está ao lado.

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