quinta-feira, 12 de junho de 2014

Sobre um dia pra nós.



Eu fiquei esperando o relógio bater a meia-noite pra apertar o “enviar” daquele sms que estava ali no bloco de notas há mais ou menos 1 mês, esperando pra apitar na tua caixa de entrada.
Foi.
Quer dizer, não foi.
Essa mania costumeira da telefonia móvel em boicotar a gente fez eu rodar a casa procurando um lugar onde as barrinhas simpáticas da rede se sentissem confortáveis a aparecer no visor do meu telefone celular.
Tentei te ligar. Reenviar. Nada.
Corri pro computador e lá dei um ctrlc + ctrl v naquele poema que eu te fiz. 
Internet só discava. Nada.
Poxa.
Cansada de rodar a casa, lembrei de como cansava não te ter por perto. Debrucei no parapeito da janela, numa última tentativa e vi naquele restaurante charmosinho do outro lado da avenida um casal comemorando o seu doze de junho.
Eles estavam sentados frente a frente, bem vestidos, uma taça de vinho daquelas grandes em cada lado e nas mãos: Um telefone celular. Pareciam estar enrolados nas redes das redes sociais enquanto dessocializavam o amor.
Talvez aquele fosse só mais um jantar a dois. Talvez fosse o segundo, terceiro naquela semana.
Talvez ele sempre a buscasse na faculdade. Almoçassem juntos todos os dias.
Talvez ele mastigasse a comida de um jeito irritante pra ela e talvez ela insistisse naquela blusa rosa que ele odeia.
Talvez a rotina de estar perto, tivesse distanciado os dois.
Poxa.
Eu tô aqui subindo nas cadeiras, me equilibrando no parapeito dessa janela pra ver se te encontro nessa web ingrata.
Tô aqui querendo teu riso, querendo ver tu mastigar uma besteira qualquer, querendo que tu me esperes no portão da faculdade, almoçar contigo e usar aquela blusa rosa que te faz rir da minha cara.
Tô aqui querendo usar as taças grandes de vinho que eu comprei, enquanto essa gente louca não sabe se querer.

Daqui da minha janela eu vejo um perto que é mais longe que a distância que separam nossas casas. E como é fácil amar nossa distância, agora!

Como eu amo teu bom dia, todo dia. Tuas cartas, cartões, ligações inesperadas e as coisas que tu deixa largadas pelo chão da minha casa. Pelas flores que tu largas no chão da minha vida.
Como eu amo esbarrar em ti toda vez que eu vou pro banho e vejo tua foto no mural.

É como se a gente vivesse num mapa de escala reduzida e num passo eu estivesse no teu abraço.
Que Deus nos livre da maldição de estar tão perto à ponto de estar tão longe.

Que possamos ter sempre um dia pra nós, todo dia.

Kamila V.

quarta-feira, 19 de março de 2014

A gente não se basta


Eu estava certa de ter aprendido a enlatar meus sentimentos.
Setorizar.
Um em cada gavetinha, no seu respectivo cantinho no coração, tirando de lá, quando quisesse.
Pensei que me mandava e caminhei orgulhosa de, no auge dos meus 20 e poucos, estar no controle da situação.

Mas, não. Felizmente a essência não muda com o tempo, não na maneira como a gente gosta das coisas e pessoas.
Não é porque o peito ficou um tempo sem suspirar que você enfodeceu, que aprendeu a matar no tal do peito.
Não.
O fato de ter ficado um tempo aí nessa pista, pra negócio, postando mil frases de amor-próprio nos perfis nas redes sociais e bancando a auto-suficiente, não quer dizer MESMO, que você aprendeu a se bastar.

Não, a gente não se basta.

Não me basto desde que dei de cara com esse sorriso que rasga a tua.
Desde que me apaixonei pela coreografia (sem ensaio, porém, sincronizada) do teu olhinho fechar enquanto a boca abre em riso, em beijo.
Desde que fui pega nesse abraço que me leva pra tudo que é canto, tipo brinquedo que criança arrasta pela casa.
Desde que você abriu os braços e fez um país pra eu morar, como naquela música.

A gente não se basta quando finalmente não se sente constrangido em calar e quer morar no silêncio confortável do outro.
Naquele silêncio que não deixa sem graça e não obriga a procurar um assunto.
Que não transforma aquelas horas de congestionamento na volta da praia, num terrível elevador de conversa boba, mas, num momento feliz de se olhar e só.

Desde que você chegou, não é bom ser sozinha e são essas coisas que fazem a gente descobrir que amadurecer não é, necessariamente, endurecer.

Kamila Valente

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Sonhando bonito



Ele abriu a porta e entrou meio que tropeçando, meio que correndo, meio que se apoiando nas cadeiras do escritório.
Chegou com a caixa de papelão molhada e mole de chuva, ergueu a tampa e disse:
-  Moça, uma trufa por dois reais?
Eu não tinha dois reais e nem gostava de trufa. Ensaiei minha cara mais piedosa e disse um não cheio de carinho.
Eu agradeci, ele agradeceu, a gente riu da coincidente frase e ele virou as costas.
Nesse giro, ele fitou a parede atrás da minha mesa.  Voltou, parou.
Ficou ali com aquele olhar curioso, que só criança tem, para as coisas que a gente passa e nem vê.
Eram fotos dos pontos turísticos mais famosos do mundo. Londres e seu London Eye, a Torre de Paris, Mykonos debochando de linda, o Cristo do Rio.
E ele perguntava cuidadosamente sobre cada um.  Onde ficavam, se estávamos longe, se dava pra ir andando e se criança podia entrar.
E eu ia respondendo, com mais cuidado ainda, aqueles olhinhos que sonhavam o mundo das fotos.
Quando ele apontou pra estação de esqui, eu respondi:
- Bariloche,  Argentina.
Ele replicou com um suspiro.
Um suspiro de sonho.
Inspirou o ar e na volta trouxe lá de dentro do coração uma vontade gigante de estar naquele lugar. Expirou tudo na minha cara.
Perguntou ainda, onde estava a foto da nossa cidade. Eu respondi que não tinha ali e ele cerrou as sobrancelhas, achando estranho.
Eram respostas em gestos, mas que diziam um tanto. Ele me perguntava falando, me respondia fazendo.
Delirando naqueles países.
Sempre tem muita gente por aqui.  As crianças entram com pressa, pegam as balas da bombonière, usam o Ipad, pedem a senha do Wi-Fi, correm entre as mesas,  escrevem nos papéis que eu dou. Os adultos compram seus bilhetes aéreos, fazem pagamentos, definem seus roteiros, brigam por causa do atraso do vôo.
Mas nunca, nunca houve alguém que parasse daquele jeito e sonhasse com aquele gosto de lamber os beiços.

Um gosto de trufa talvez, o qual eu nunca experimentei, mas vivo dizendo que não gosto.

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

A gente não teve escolha.





As coisas poderiam ter sido diferentes.
A gente poderia não ter tomado a pílula vermelha.
Poderia ter optado por um fardo mais leve ou por não carregar bagagem nenhuma e pagar pro maleiro levar.
A gente poderia ter dinheiro.  
A gente poderia ser o maleiro.
Poderia ter outros amigos, trilhar um outro caminho, com flores ou ainda com cacos de vidro.
Poderia ter filhos. 
Poderia falar cinco línguas e ganhar o Nobel, posar nua pra revista masculina.
Poderia ter sofrido um acidente numa BR qualquer por excesso de álcool.
Poderia cantar no coro da igreja.
Poderia ter fumado pouco ou nenhum cigarro. 
Poderia ter morrido de câncer ou atingido por aquele carro cheio de gente alcoolizada numa BR qualquer.

Poderia. Poderia.

Todo mundo aponta aquele cara que só faz merda, sem se importar em como é relativo esse conceito de cagar com a vida.  
E com relação a isso eu preciso contar uma novidade: Pro tal cara, o tipo de sucesso que vocês julgam ideal,  não atrai.
A gente não teve outra escolha. A gente tem o que a gente decidiu.
O que a gente fez e do jeito que quis fazer.

Eu atirei naquele cara, olhando nos olhos dele, porque ele ia me matar.
Eu arrumei minhas malas e fui pro Japão porque esse continente era vazio demais pra mim.
Eu fiquei até mais tarde na cama e perdi o dia, pelo sono.
Eu usei palavras erradas sem saber que eram certas, pois afinal, mandaram a pessoa errada embora.
Cheguei na hora errada e vi o que precisava ver mas não queria. Mas uma vez, a escolha errada que deu certo.
As escolhas que a gente faz estão todas justificadas, pra que a gente se orgulhe da nossa história. 
Se orgulhe do tombo e daquela cicatriz no joelho que faz lembrar como foi difícil levantar e olhar ao redor e ver que tinha gente rindo.

As pessoas riem.

E  foda-se o riso dos outros quando tem o sorriso certo da gente.
Quando tem a paz e a delícia de uma atitude que a gente queria tanto ter.
O certo é o que é. A gente é o é e só.
Não se tratam de escolhas, se trata de não ter outras opções.

Se trata apenas de ser o que tiver que ser pra gente viver.

Kamila Valente

terça-feira, 1 de outubro de 2013

O que a gente é.




A gente é gente.

A gente é corpo. Todos cagamos e mijamos.
A gente se olha no espelho, vira de bunda e confere a situação da celulite, que aliás, vai sempre muito bem essa safada. 
A gente deseja o carro novo e foda que o amigo comprou.
A gente olha as fotos do casamento e já se imagina lá na igreja, toda de branco, decide o que teria de lindo e o que não teria de brega na nossa festa.
Assalta a geladeira e forja a dieta quando não tem ninguém olhando.
Mente que está mantendo o ritmo na academia pra quem se envolveu no tal do projeto verão (e está na torcida pela gente), não se decepcionar.

A gente é bom.
Sente dó cachorrinho magrelo que todo dia está na esquina de casa, implorando um pão e carinho.
No sinal, dá moedas pro argentino sujinho (porém gato) que faz malabares.
Faz doação, se envolve em causas (anti)sociais, sai pra rua pra protestar por um amontoado de não-sei-o-quê, avisa que a colega saiu do banheiro da balada com o papel grudado no sapato.

A gente é ruim.
Finge que não vê o idoso entrar no ônibus, já que tem gente mais nova sentada e nem se mexe pra ceder o assento.
Faz que não viu aquele vizinho chato, só pra não interagir.
Visualiza e não responde.
Manda indireta. 
Deseja que ele fique impotente, corno e que ela engorde.

A gente é isso  tudo e se suja todo dia na lama da humanidade.
Baba a saliva dos imperfeitos, feitos de carne, ossos e sentimento.
A gente é essa máquina antiga que ninguém quer trocar, porque tem apego.
Ainda não inventaram nenhuma evolução da gente, porque a gente é o que há de mais evoluído no melhor e no pior.
Nenhuma se espécie se supera tanto, todo dia, em cagar com tudo e aparecer com um choro na garganta pedindo perdão.

Ás vezes cansa ser gente, dá vontade de se esconder, faz ode à preguiça de conviver,  jura que vai se relacionar só com árvores, ter um cachorro ou  até ser um, pra justificar tanta cachorrada e amar aquela cadela, quem sabe.
Mas ainda bem que isso passa e o telefone logo toca com uma porção de gentes legais te chamando pra tomar umas.

Ainda bem que a gente muda de ideia toda hora.
Ainda bem que Deus se faz de surdo e ri da gente.

Ainda bem que a gente é gente.

Kamila V.

quarta-feira, 10 de julho de 2013

Historinha do amor fácil




Era apenas uma mania doce que ele tinha de simplificar as equações.
Equações?
Talvez ele nem fosse tão a fundo assim, no mundo.

O mundo era lindo. E belo. E leve. E sem pecado.

Eu ficava tentando entender se aquela doçura era a pureza de nunca ter se contaminado com o amargo da vida (e vejam só que perigo...alguém com tanto potencial, contrair o vírus do gosto amargo que eu carregava) ou,  era só inexperiência mesmo.

Mas não. Ele bancava as coisas com uma certeza adulta, própria de quem já viveu muitos pesadelos e aprendeu a acordar na hora certa. Pra ele a vida era isso mesmo, esse imenso verde-grama de terra fértil pronta pra ser cultivada. E por mais que eu regasse as daninhas, vinha ele logo atrás, arrancando todo matinho feio, colorindo de flor e cagando meu trabalho sujo.

Era como se ele batesse no peito e dissesse"deixa pra mim". E eu deixava. Até porque eu não sabia o que fazer com tanta verdade. Eu não conseguia segurar com minhas mãos pequenas, tanta bagagem.
Não por ser pesada, mas, por ser muita.

E quanto mais dura eu ficava, mais facilmente me quebrava. Como naquela conversa em que divagamos sobre o que seria, de fato, o amor e eu disse que amor era pra sempre, e por isso, não tinha como saber o que era. Aí ele sugeriu que a gente ficasse perto pra sempre, porque então, seria fácil de descobrir.

Parecia fácil viver do jeitinho dele. Parecia fácil ser ele. E vejam só, parecia ser fácil gostar de mim, agora.

Essa historinha clichê de que o bem é mais forte que o mal, criou vida e saiu do papel.

Já que eu não consegui amargurá-lo, ele então, conseguiu me fazer feliz.

sexta-feira, 28 de junho de 2013

Paixão mata.





Chega aquela horinha que a gente se vira e fala pra Deus, pra força maior do universo, pro anjo, pro santo:
Se não for pra fazer bem,  tenha a bondade de afastar o sujeito da minha vida.

Normalmente a gente se arrisca a pedir isso, enquanto consegue bancar uma dorzinha caso a entidade superior, resolva atender o pedido. Mas tem vezes que a gente perde esse timing, essa linha tênue e frágil que divide o "saber virar a página caso o casinho desande" e a probabilidade de experimentar aquela sensação de quase morte que dá, quando a paixão se manda sem dar tchau.

Dizem que o tal momento, é tão sutil, tão frágil e rápido, que  não se vê.
Não dá pra sacar essa transição em que a gente passa do status de estar apenas "interessada" para "mais envolvida do que a Jolie nas causas sociais" e dele em diante não se sabe mais, se a gente aguenta ou não o tranco, de um suposto fim.

O fato é: Ninguém, até hoje, na história da humanidade morreu de amor. Até os crimes cometidos sob forte emoção são chamados de passionais, porque é isso mesmo. A paixão é que mata.

Paixão dilacera, desfaz, torce, remói, espanca e por fim mata. E morre.
Dessa morte pode nascer a sorte de um amor tranquilo com sabor de fruta mordida ou no lugar do vermelho vivo que pulsava, pode ficar um deserto, árido, seco, igual a qualquer coisa cor-de-pasto sem vida, até começar tudo de novo, com outro sujeito.

A paixão é uma construção luxu(ri)osa que a gente ergue com o objetivo de chegar lá no topo e hastear a bandeira do amor. Que brega, mas enfim, é isso mesmo.
É no decorrer dessa construção que a gente cai do andaime, se arranha em meio ao concreto, se lasca, lanha, desbrava selva do corpo, do gosto, até que a tempestade para e é só brisa.
Só amor, paz e amor ou só paz mesmo.

Mas porque a gente se complica tanto por essa, que é a barraqueira inconsequente dos sentimentos, então?

Sei lá.

Se o homem nunca precisou de sentido pra meter guerra, matar gente, roubar miserável, que dirá, pra apaixonar.