Ele queria me ver sorrir. E tudo que eu queria era ver o jornal.
Ele queria o gosto, o jeito, o tom que tem tudo que tem amor.
E eu queria nada.
No máximo, a janela bem fechada pra dormir .
Ele me queria tanto, mais com tanta força, que se perdia entre o querer. Perdia o fim daquela vontade. Me balançava com coisas tão novas e bonitas, pra ele. E eu só balançava com aquela bagunça dele. Só mexia, como um João Bobo sem vida.
E ele tinha tanta vida.
Tinha todo o gás que tem aquelas paixões irritantemente fortes.
Que tem força pra ter ciúme, pra brigar horas no telefone, pra trocar sonhos e mensagens o dia todo.
E eu morna ali.
Mas Ele sempre conseguia me arrancar um sorriso ou outro.
Um sorrisinho sem força, mas com um pouquinho de graça. E de repente eu estava aos berros, pedindo pra ele parar de me morder, de beijar minha barriga, porque ali era meu ponto fraco.
E ele não parava claro, e eu me cansava gostoso.
E de repente eu começava a respirar.
Como se alguém soprasse fôlego nos meus pulmões. E eu amava e tinha vontade de gostar.
De recomeçar, de novo, tudo outra vez, novamente. Assim mesmo, num completo pleonasmo.
E éramos de mundos diferentes. Ele do calor, eu do frio.
Pólos opostamente apaixonados.
Ele era tão previsível pra mim que apesar do meu mundo distante, eu sabia exatamente o que ele ia dizer. Talvez não fosse essa de ser previsível, talvez fossem nossas frequências, sonando juntas. Aí ficava fácil de descobrir o que pensávamos, só de olhar e se afinar no riso.
E ele era vida em HD. Sem filme preto e branco. Sem cinema dentro do carro. Pura década de 90.
Era intenso o poder de resgatar em mim aquela vontade infantil de amar na rua, na chuva, na fazenda. De me sentir bonita, feito adolescente usando roupa nova. De me sentir menina e não mulher.
Porque às vezes tudo que a gente quer é esquecer as contas pra pagar, que segunda cedo tem e que a idade tá chegando.