Eu estava certa de ter aprendido a enlatar meus sentimentos.
Setorizar.
Um em cada gavetinha, no seu respectivo cantinho no coração,
tirando de lá, quando quisesse.
Pensei que me mandava e caminhei orgulhosa de, no auge dos
meus 20 e poucos, estar no controle da situação.
Mas, não. Felizmente a essência não muda com o tempo, não
na maneira como a gente gosta das coisas e pessoas.
Não é porque o peito ficou um tempo sem suspirar que você
enfodeceu, que aprendeu a matar no tal do peito.
Não.
O fato de ter ficado um tempo aí nessa pista, pra negócio,
postando mil frases de amor-próprio nos perfis nas redes sociais e bancando a
auto-suficiente, não quer dizer MESMO, que você aprendeu a se bastar.
Não, a gente não se basta.
Não me basto desde que dei de cara com esse sorriso que rasga a
tua.
Desde que me apaixonei pela coreografia (sem ensaio, porém, sincronizada) do teu olhinho fechar enquanto a boca abre em riso, em beijo.
Desde que fui pega nesse abraço que me leva pra tudo que é
canto, tipo brinquedo que criança arrasta pela casa.
Desde que você abriu os braços e fez um país pra eu morar,
como naquela música.
A gente não se basta quando finalmente não se sente
constrangido em calar e quer morar no silêncio confortável do outro.
Naquele silêncio que não deixa sem graça e não obriga a
procurar um assunto.
Que não transforma aquelas horas de congestionamento na
volta da praia, num terrível elevador de conversa boba, mas, num momento feliz
de se olhar e só.
Desde que você chegou, não é bom ser sozinha e são essas coisas que fazem a gente descobrir que amadurecer não é,
necessariamente, endurecer.
Kamila Valente