quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

Relativizando distâncias




Tem o Sol.
Este que é um só, e por dar conta do recado, acha que o(s) mundo(s) gira(m) em torno do seu umbigo.
- E giram, Sol.
Eu estava olhando pra Ele hoje de manhã enquanto alguém, sei lá, no Uzbequistão, olhava também.
O sol que me queimou, aqueceu bem mais além, o corpo de alguém.
O sol que acordou aqui, foi dormir pras bandas de lá.
No outro dia chegou apressado antes do leite de alguém atrasado, esquentar. Foi embora de surpresa, antes do leito esfriar.
E assim estamos nós. Atados por esses nós de vida que há em tudo, em todos, embaixo do Sol.

O vento. Este que se espalha confortável em todos os lugares, inclusive, naqueles em que o sol não brilha.
O vento que soprou trouxe pó da rua de trás, depois voltou levando na brisa o meu perfume até alguém, que sentiu e se perguntou da onde conhecia aquele cheiro familiar.

Hoje, quantos casais fizeram amor ao mesmo tempo?
Quantos suspiros de tristeza e choros de agonia coincidiram dolorosamente?
Hoje, de quantas formas nos conectamos?
E assim, ao longo do dia fomos nos ligando, alcançando, como se alguns de nós dormissem na mesma cama e acordassem juntos pra preparar o café.
Enquanto uns jantavam, outros colocavam o despertador pra mais 5 minutos. E no fim ninguém estava só
debaixo do mesmo céu.
Hoje eu continuei a viver o que já passou por alguém e deixei um pouco de mim, pra quem vem.
Nós não temos ideia de quantas saudades nós matamos, hoje. Foi um massacre.

E assim, ainda que longes um do outro, seguimos juntos procurando nas ausências um calor de sol, um sopro de vento, uma sincronia de sentimentos.
Só pra ver se esquenta.
Pra ver se lembra.
Pra gente se ver.

Kamila V.

domingo, 18 de setembro de 2016

Aprendizado

Existem aprendizados que nunca acabam.

E eu nem to falando daquele módulo de matemática que começou na 5ª série, se arrastou interminável até o dia do seu vestibular, vez ou outra ainda te persegue quando no falta dinheiro no fim do mês e você precisa recorrer aos cálculos mais incompreensíveis pra dar conta do recado.

Eu nunca consegui entender química, física e matemática. Mas eu atribuo minha incapacidade à falta de paixão por esses temas. É compreensível que você não queira entender o que não lhe atrai, essa  é uma deficiência aceitável. Eu penso que não sei usar a fórmula de Báskara porque eu nunca vou precisar dessa porra na minha vida. Então, foda-se.

Mas e quando você não consegue entender e aprender sobre algo que lhe toma a cabeça e os sentimentos?

Aquela coisa detém toda sua força. Todo o seu coração. É dona do seu olhar, do seu pensamento e do seu desejo mais sincero.
Você está mergulhado no tema.
Estuda de cabo a rabo todos os detalhes da matéria, devota seu tempo, devora com prazer de lambuzar cada tópico, sub tópico e capítulos.
E nada. Não entra.
Simplesmente o entendimento não se acomoda na mente.
Não se adapta àquele cantinho familiar reservado pra todos os conhecimentos adquiridos ao longo da vida.
Tem coisas que a gente nunca para de aprender porque, simplesmente, a gente nunca aprende.





terça-feira, 10 de maio de 2016

Nem margarida nasceu



Você estava agorinha mesmo aqui.

Olhei em todo canto, vai que de repente alguém te varreu disfarçadamente pra baixo do tapete, da cama, das lembranças. Mexi, baguncei o quarto e os cômodos da mente, do coração e nada.
A menos que estivesse disfarçado de dor, cê tinha ido embora.

Eu tentei te achar  no "pra sempre" que a gente se disse, fiquei ali na sala dos nossos arquivos e tava tudo estranho, tudo coisado.
Nossas fotos, cartas e mensagens, todas sem rostos, sem nomes e apagadas, respectivamente.
Rodei o mundo visitando os lugares que passamos, qual não foi minha surpresa: não tinha mais o nosso banco naquela pracinha, demoliram a casa na praia, derrubaram a árvore machucada com nosso nome.

Passaram anos e eu te buscando nos cheiros e gostos que a gente sentiu e lambeu. Eu lembro que cê tinha um cheiro na pele que eu perdia horas tentando compreender. Não era flor, mas não era mato. Nem era ácido, mas nem suavizava também. Aí você ria e dizia que tava indo pro banho. Não, vem cá. Deixa eu decorar.
O gosto eu sabia muito bem e era café. Café com qualquer coisa de secreto da tua saliva.

Corri pros nossos discos e filmes. No lugar da nossa balada de amor inabalável, tocou um remix terrivelmente comercial e os vídeos, cinema mudo. Nossas falas apagadas em meio a todo aquele movimento num silêncio ensurdecedor.

Fecharam nossa rua.
Faliu nossa marca de cerveja.
Nosso restaurante interditou.
Pintaram de branco aquele grafite lindo onde a gente se fotografou.

E o meu jardim da vida, ressecou, morreu.


segunda-feira, 17 de agosto de 2015

Sobre ser mulher, solteira, aos 30 (e poucos), em 2015.



Fiquei pensando, durante muito tempo, se eu tinha coragem suficiente pra escrever sobre isso e de tanto pensar sem achar resposta,  escrevi, por motivos de: não sou obrigada a nada.
E resolvi porque, depois de jogar muita conversa fora com amigas, colegas, conhecidas que ocupam a faixa dos 30 anos, eu percebi a barra que é estar sozinha nessa altura da vida.
Não vou falar de dramas pessoais como carências, frustrações e muito menos sobre como conquistar o homem amado em 10 passos.

Eu escrevo em nome das mulheres felizes com suas escolhas.

Essa mulher encara o olhar descrente da família, atura o preconceito social que dita a regrinha do “se tá solteira é porque algum defeito tem” e percorre a via crucis  da vergonha alheia carregando o peso de uma frustração que não lhe pertence. Todo churrasco de família  é a tia perguntando do namoradinho e todo lance é o cara fugindo porque projeta nela “aloka” do casamento, quando tudo que se quer é almoçar a picanha do tio em paz e dormir de conchinha por uma noite.

Essa mulher é vista sob olhares piedosos quando a encontram trilhando sozinha alguns caminhos, e sob ira da moral e dos bons costumes quando exerce com propriedade a sua solteirice ( e tudo que de mais legal ela carrega). A colocam no paredão pra ser metralhada, mandam a conta da bala pra família que se vinga nela, completando assim esse ciclo de cobranças e imposições sem sentido.
Ou seja, leva a fama de encalhada, sem ao menos, poder deitar na cama.

Que dureza.

A essa mulher está reservado apenas o ônus da vida de solteira. "Ela não pode ter escolhido estar assim", dizem os inconformados. Como conceber uma mulher que não quer casar quando está em vias de ficar estéril, enrugar e passar do ponto? A hora é agora, minha filha!
Case, procrie,  protele sua carreira enquanto os homens da sua idade fazem intercâmbio em Paris. 
Rodam o mundo num mochilão. 
Você não, você precisa de alguém. Você é um anexo.

Você não pode desejar alguém (ou alguéns) por uma noite. Você está fadada a um comercial de margarina, com prazo de validade.
Você não pode escolher muito, quem escolhe muito acaba sozinha. Você não pode tentar muitas vezes, você é muito seletiva.
Algum defeito você tem.

E se talvez o problema não for com ela? E se talvez só apareceu cara "rodado" pra ela? Qual artigo de lei incrimina essa mulher por se achar boa o suficiente pra não querer ninguém?
Parem com isso. Nos deixem ser mulheres, nos deixem externar nossas vontades que as vezes são tão fortes e pouco nobres quanto a de vocês, homens.

Parem de justificar essa concessão alegando a porta do carro que vocês abrem e o jantar que pagam. 
Essas atitudes respaldam a nossa vontade de passar na casa de vocês e levá-los pra jantar, sabiam?
Não estabeleçam regras, esse jogo não é de vocês.

Não usem argumentos rasos que contenham as palavras-chave: Recalque, solteirona e puta. 
Tá batido, vocês são maiores, melhores que isso. E é por isso qua ainda somos heterossexuais. Por gostarmos tanto dessa figura que vocês representam, ainda que muitas vezes, idealmente.

Permitam que as convictas mudem de ideia um dia (quando elas quiserem) e queiram alguém pra dividir os dias, pra sempre.
E, por favor, não façam as apaixonadas mudarem de lado. O amor é mesmo lindo quando alguém o deseja.

Kamila V.

quinta-feira, 12 de junho de 2014

Sobre um dia pra nós.



Eu fiquei esperando o relógio bater a meia-noite pra apertar o “enviar” daquele sms que estava ali no bloco de notas há mais ou menos 1 mês, esperando pra apitar na tua caixa de entrada.
Foi.
Quer dizer, não foi.
Essa mania costumeira da telefonia móvel em boicotar a gente fez eu rodar a casa procurando um lugar onde as barrinhas simpáticas da rede se sentissem confortáveis a aparecer no visor do meu telefone celular.
Tentei te ligar. Reenviar. Nada.
Corri pro computador e lá dei um ctrlc + ctrl v naquele poema que eu te fiz. 
Internet só discava. Nada.
Poxa.
Cansada de rodar a casa, lembrei de como cansava não te ter por perto. Debrucei no parapeito da janela, numa última tentativa e vi naquele restaurante charmosinho do outro lado da avenida um casal comemorando o seu doze de junho.
Eles estavam sentados frente a frente, bem vestidos, uma taça de vinho daquelas grandes em cada lado e nas mãos: Um telefone celular. Pareciam estar enrolados nas redes das redes sociais enquanto dessocializavam o amor.
Talvez aquele fosse só mais um jantar a dois. Talvez fosse o segundo, terceiro naquela semana.
Talvez ele sempre a buscasse na faculdade. Almoçassem juntos todos os dias.
Talvez ele mastigasse a comida de um jeito irritante pra ela e talvez ela insistisse naquela blusa rosa que ele odeia.
Talvez a rotina de estar perto, tivesse distanciado os dois.
Poxa.
Eu tô aqui subindo nas cadeiras, me equilibrando no parapeito dessa janela pra ver se te encontro nessa web ingrata.
Tô aqui querendo teu riso, querendo ver tu mastigar uma besteira qualquer, querendo que tu me esperes no portão da faculdade, almoçar contigo e usar aquela blusa rosa que te faz rir da minha cara.
Tô aqui querendo usar as taças grandes de vinho que eu comprei, enquanto essa gente louca não sabe se querer.

Daqui da minha janela eu vejo um perto que é mais longe que a distância que separam nossas casas. E como é fácil amar nossa distância, agora!

Como eu amo teu bom dia, todo dia. Tuas cartas, cartões, ligações inesperadas e as coisas que tu deixa largadas pelo chão da minha casa. Pelas flores que tu largas no chão da minha vida.
Como eu amo esbarrar em ti toda vez que eu vou pro banho e vejo tua foto no mural.

É como se a gente vivesse num mapa de escala reduzida e num passo eu estivesse no teu abraço.
Que Deus nos livre da maldição de estar tão perto à ponto de estar tão longe.

Que possamos ter sempre um dia pra nós, todo dia.

Kamila V.

quarta-feira, 19 de março de 2014

A gente não se basta


Eu estava certa de ter aprendido a enlatar meus sentimentos.
Setorizar.
Um em cada gavetinha, no seu respectivo cantinho no coração, tirando de lá, quando quisesse.
Pensei que me mandava e caminhei orgulhosa de, no auge dos meus 20 e poucos, estar no controle da situação.

Mas, não. Felizmente a essência não muda com o tempo, não na maneira como a gente gosta das coisas e pessoas.
Não é porque o peito ficou um tempo sem suspirar que você enfodeceu, que aprendeu a matar no tal do peito.
Não.
O fato de ter ficado um tempo aí nessa pista, pra negócio, postando mil frases de amor-próprio nos perfis nas redes sociais e bancando a auto-suficiente, não quer dizer MESMO, que você aprendeu a se bastar.

Não, a gente não se basta.

Não me basto desde que dei de cara com esse sorriso que rasga a tua.
Desde que me apaixonei pela coreografia (sem ensaio, porém, sincronizada) do teu olhinho fechar enquanto a boca abre em riso, em beijo.
Desde que fui pega nesse abraço que me leva pra tudo que é canto, tipo brinquedo que criança arrasta pela casa.
Desde que você abriu os braços e fez um país pra eu morar, como naquela música.

A gente não se basta quando finalmente não se sente constrangido em calar e quer morar no silêncio confortável do outro.
Naquele silêncio que não deixa sem graça e não obriga a procurar um assunto.
Que não transforma aquelas horas de congestionamento na volta da praia, num terrível elevador de conversa boba, mas, num momento feliz de se olhar e só.

Desde que você chegou, não é bom ser sozinha e são essas coisas que fazem a gente descobrir que amadurecer não é, necessariamente, endurecer.

Kamila Valente

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Sonhando bonito



Ele abriu a porta e entrou meio que tropeçando, meio que correndo, meio que se apoiando nas cadeiras do escritório.
Chegou com a caixa de papelão molhada e mole de chuva, ergueu a tampa e disse:
-  Moça, uma trufa por dois reais?
Eu não tinha dois reais e nem gostava de trufa. Ensaiei minha cara mais piedosa e disse um não cheio de carinho.
Eu agradeci, ele agradeceu, a gente riu da coincidente frase e ele virou as costas.
Nesse giro, ele fitou a parede atrás da minha mesa.  Voltou, parou.
Ficou ali com aquele olhar curioso, que só criança tem, para as coisas que a gente passa e nem vê.
Eram fotos dos pontos turísticos mais famosos do mundo. Londres e seu London Eye, a Torre de Paris, Mykonos debochando de linda, o Cristo do Rio.
E ele perguntava cuidadosamente sobre cada um.  Onde ficavam, se estávamos longe, se dava pra ir andando e se criança podia entrar.
E eu ia respondendo, com mais cuidado ainda, aqueles olhinhos que sonhavam o mundo das fotos.
Quando ele apontou pra estação de esqui, eu respondi:
- Bariloche,  Argentina.
Ele replicou com um suspiro.
Um suspiro de sonho.
Inspirou o ar e na volta trouxe lá de dentro do coração uma vontade gigante de estar naquele lugar. Expirou tudo na minha cara.
Perguntou ainda, onde estava a foto da nossa cidade. Eu respondi que não tinha ali e ele cerrou as sobrancelhas, achando estranho.
Eram respostas em gestos, mas que diziam um tanto. Ele me perguntava falando, me respondia fazendo.
Delirando naqueles países.
Sempre tem muita gente por aqui.  As crianças entram com pressa, pegam as balas da bombonière, usam o Ipad, pedem a senha do Wi-Fi, correm entre as mesas,  escrevem nos papéis que eu dou. Os adultos compram seus bilhetes aéreos, fazem pagamentos, definem seus roteiros, brigam por causa do atraso do vôo.
Mas nunca, nunca houve alguém que parasse daquele jeito e sonhasse com aquele gosto de lamber os beiços.

Um gosto de trufa talvez, o qual eu nunca experimentei, mas vivo dizendo que não gosto.