terça-feira, 10 de maio de 2016
Nem margarida nasceu
Você estava agorinha mesmo aqui.
Olhei em todo canto, vai que de repente alguém te varreu disfarçadamente pra baixo do tapete, da cama, das lembranças. Mexi, baguncei o quarto e os cômodos da mente, do coração e nada.
A menos que estivesse disfarçado de dor, cê tinha ido embora.
Eu tentei te achar no "pra sempre" que a gente se disse, fiquei ali na sala dos nossos arquivos e tava tudo estranho, tudo coisado.
Nossas fotos, cartas e mensagens, todas sem rostos, sem nomes e apagadas, respectivamente.
Rodei o mundo visitando os lugares que passamos, qual não foi minha surpresa: não tinha mais o nosso banco naquela pracinha, demoliram a casa na praia, derrubaram a árvore machucada com nosso nome.
Passaram anos e eu te buscando nos cheiros e gostos que a gente sentiu e lambeu. Eu lembro que cê tinha um cheiro na pele que eu perdia horas tentando compreender. Não era flor, mas não era mato. Nem era ácido, mas nem suavizava também. Aí você ria e dizia que tava indo pro banho. Não, vem cá. Deixa eu decorar.
O gosto eu sabia muito bem e era café. Café com qualquer coisa de secreto da tua saliva.
Corri pros nossos discos e filmes. No lugar da nossa balada de amor inabalável, tocou um remix terrivelmente comercial e os vídeos, cinema mudo. Nossas falas apagadas em meio a todo aquele movimento num silêncio ensurdecedor.
Fecharam nossa rua.
Faliu nossa marca de cerveja.
Nosso restaurante interditou.
Pintaram de branco aquele grafite lindo onde a gente se fotografou.
E o meu jardim da vida, ressecou, morreu.
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