quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Ele e Ela.


Ela sentia o suor pelas costas.
As gotas procuravam em cada investida, caminhos diferentes e denunciavam o nervosismo na camisa branca.
Ela estalava os dedos, balançava as pernas, mudava a posição, folheava cega uma revista antiga.
Enxergava a demora pendurada no ponteiro.
Toneladas sobre as horas.
Havia anos que ela sonhava, imaginava, supunha, como seria aquele momento.
Como seria ele? Como seria seu rosto? Será que ele lembraria das coisas que ela havia dito até ali? Dos pedidos, das exigências, dos desabafos, dos desafios, dos erros, dos acertos?
Ela só sabia que estava preparada. Perfeita e impecável, ao menos na aparência.
Na frente dela, a porta. Após a porta, o desconhecido.
Quando ela se abriu, uma estatura mediana de aparência comum demais, surge do interior da sala branca.
Até aí, abaixo da expectativa.
Ela segue no seu salto e na sua roupa cara atravessando a sala de espera até chegar em frente a ele.
Os dois olham-se nos olhos.
Ela descobrindo. Ele reconhecendo.
Já dentro da sala, sentam-se em silêncio, frente-a-frente.
Ela pede, ele pede, que fale. Os dois riem da coincidente frase e ele começa.
Conta da saudade, da espera, do sofrimento, das alegrias, enfim, só fala dela e do que ela faz o tempo todo.
Coisas que ela nem lembra mais. Coisas que ela prefere esconder. Muitas e muitas coisas.
E com as memórias boiando na tona, ela ri, chora, envergonha-se, orgulha-se.
O corpo esquece de suar, de tremer. Ele a acalma tanto...
A serenidade faz todo sentido ali perto dele.
E depois de tudo exposto, ela pede perdão pela milésima vez.
Promete mudar a si e ao mundo. Quebrar diferenças, tabus, preconceitos.
Ele só sorri. Diante daquele desespero infantil ele acalma com aquela transparência cristalina, que só tem que não tem nada a esconder. Só os donos da verdade.
E ela se esforça pra que ele acredite que dali pra frente será tudo diferente. Que aquele encontro mudou tudo nela, essencialmente.
Mas ele sabe que não. Ele com os ombros pesados e doridos, sabe que ao despedir-se ela será tão sórdida, tão igual a todos os outros.
Mas ele a ama.
E naquele momento só ela importa.
Não quer perdê-la dali. Não quer perdê-la assim purificada, redimida, arrependida.
Resta pra ele duas opções.
Deixá-la ir e sofrer de novo a dor, a saudade, a ausência.
O esquecimento a encontrará na porta da sala. E a levará nos braços mais uma vez.
Ou findar tudo ali, já que os pratos estão limpos.
Resta pra ela uma escolha.
Então ele a fulminou com os olhos. E ela caiu sobre os ombros da poltrona.
Sem mudar o mundo, sem acabar com preconceitos e diferenças.
Não foi solidária, não entrou pra nenhuma Ong.
Não deu esmola, não fez caridade, nem doou órgãos.
Mas quando ela intencionou, ainda que por minutos, ser alguém melhor, ele aproveitou para salvá-la dela mesma.
Pra nunca mais errar.

Kamila V.


(Postado em 14 de agosto de 2008, no meu antigo blog: kamilavalente.blogspot.com )

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

O gosto da letra: Te faço bem e muito mal.

O gosto da letra: Te faço bem e muito mal.

Te faço bem e muito mal.


Hoje eu me peguei pensando se sou realmente uma pessoa, assim..., do bem.
Pensando em alguma atitudes, não cheguei a certa conclusão que me tire da condição de ser um péssimo ser humano, ou apenas um humano, tolo, que quer ver todo mundo feliz.


Eu olhei esses dias pro rosto de uma amiga e vi que ela tava doída porque o namorado não dava a mínima bola pra ela.
E no fundo eu sei que ele não dá a mínima bola.
Mas ao invés de vomitar tudo que eu penso ou acho...eu disse apenas, que ela tava de bobeira e que o cara era um fofo.
Logo, um sorriso aliviado brilhou no rosto dela.


Aí, voltando um pouco mais atrás, eu me lembrei de uma vez que minha irmã deitada no meu colo chorava um problema gigante...E eu sem a menor certeza, afirmei convicta pra ela que tudo aquilo ia passar.
Que aquela dor ia cessar.
E o medo bater forte em retirada.
Ela parou de molhar minha roupa com o choro, e me perguntou -sorrindo e segura - de onde vinha tanta positividade.
Eu não respondi, pois afinal, não havia positividade nenhuma.
Havia apenas uma vontade egoísta, de que ela parasse de chorar e sorrisse, a qualquer custo.


No meio disso tudo eu enxerguei o rosto fechado de uma outra amiga que não comia carne com cebola.
E justo no prato dela vieram muitas, muitas cebolas em meio a alguma carne.
Lá fui eu, mais uma vez, intervir.
Pedi um talher e tirei toda a cebola, pra que ela pudesse sorrir novamente.


Pensando nisso, e em muitas outras coisas, eu sempre me encontro pela vida, na função de amenizar, apaziguar.
E onde se enxergaria só virtude, eu começo a temer um grave erro.
Sofrer sem seu sorriso é um problema meu.
Sofrer junto com quem sofre, também.
E essa busca incessante pela plena felicidade mundial, me faz mentir, me faz enganar, omitir.
A carne com cebola é muito ruim se você não gosta.
E se foda, você.
Mesmo que eu tire com a faca, com o garfo, com ácido, vai ficar o gosto da cebola.
O seu namorado, vai continuar cagando pra você, mesmo depois que eu disser que ele é fofo.
Se ele te manda a merda, é porque ele é realmente um.
E o problema não vai passar. Se você só chorar e não encarar. Não acredite quando te digo, meu amor, que vou tirar teu problema com a mão.

E quando digo " não te preocupa, que estou do teu lado" é porque estou tão perdida quanto você, sem saber a diferença entre o seu e o meu lado.
Mas não faço por mal.
Nesses momentos, eu sempre sei que o melhor a fazer, é te fazer sorrir.
Mas pensando nisso tudo, eu nao se isso é bom.
Talvez eu seja boa pra você, talvez eu te faça mal.


Kamila V.