quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Sonhando bonito



Ele abriu a porta e entrou meio que tropeçando, meio que correndo, meio que se apoiando nas cadeiras do escritório.
Chegou com a caixa de papelão molhada e mole de chuva, ergueu a tampa e disse:
-  Moça, uma trufa por dois reais?
Eu não tinha dois reais e nem gostava de trufa. Ensaiei minha cara mais piedosa e disse um não cheio de carinho.
Eu agradeci, ele agradeceu, a gente riu da coincidente frase e ele virou as costas.
Nesse giro, ele fitou a parede atrás da minha mesa.  Voltou, parou.
Ficou ali com aquele olhar curioso, que só criança tem, para as coisas que a gente passa e nem vê.
Eram fotos dos pontos turísticos mais famosos do mundo. Londres e seu London Eye, a Torre de Paris, Mykonos debochando de linda, o Cristo do Rio.
E ele perguntava cuidadosamente sobre cada um.  Onde ficavam, se estávamos longe, se dava pra ir andando e se criança podia entrar.
E eu ia respondendo, com mais cuidado ainda, aqueles olhinhos que sonhavam o mundo das fotos.
Quando ele apontou pra estação de esqui, eu respondi:
- Bariloche,  Argentina.
Ele replicou com um suspiro.
Um suspiro de sonho.
Inspirou o ar e na volta trouxe lá de dentro do coração uma vontade gigante de estar naquele lugar. Expirou tudo na minha cara.
Perguntou ainda, onde estava a foto da nossa cidade. Eu respondi que não tinha ali e ele cerrou as sobrancelhas, achando estranho.
Eram respostas em gestos, mas que diziam um tanto. Ele me perguntava falando, me respondia fazendo.
Delirando naqueles países.
Sempre tem muita gente por aqui.  As crianças entram com pressa, pegam as balas da bombonière, usam o Ipad, pedem a senha do Wi-Fi, correm entre as mesas,  escrevem nos papéis que eu dou. Os adultos compram seus bilhetes aéreos, fazem pagamentos, definem seus roteiros, brigam por causa do atraso do vôo.
Mas nunca, nunca houve alguém que parasse daquele jeito e sonhasse com aquele gosto de lamber os beiços.

Um gosto de trufa talvez, o qual eu nunca experimentei, mas vivo dizendo que não gosto.